Dire Straits: pura alquimia musical ao vivo

Por Carlos H. Silva

Em 22 e 23 de julho de 1983 no lendário Hammersmith Odeon, em Londres o Dire Straits gravou seu primeiro ao vivo, nomeado apenas como “Alchemy Live” (1984, via Vertigo, produzido por Mark Knopfler). Alchemy significa “alquimia”, e "alquimia" significa a junção de vários elementos de química, Antropologia, Astrologia, Magia, Filosofia, entre outras, para a obtenção de quatro grandes objetivos, dentre eles conseguir criar o elixir da vida, aquele que quem ingerisse "estaria livre de todo o mal" e viveria para sempre. A busca da perfeição? Posso então usar "alquimia" como metáfora para esse disco ao vivo do Dire Straits, pois é exatamente "alquimia" o que rolava entre toda a banda no palco, resultando em um fantástico duplo ao vivo.



Liderados pelo genial Mark Knopfler (guitarra-solo e vocal), Alan Clark (teclados), John Illsley (baixo), Hal Lindes (guitarra-base) e Terry Williams (bateria), acompanhados pelos músicos contratados Mel Collins (sax), Tommy Mandel (teclados) e Joop de Korte (percussão), mostraram durante todo o disco esta completa alquimia musical que o Dire Straits transbordava naquela fase.

A banda estava em divulgação do disco Love Over Gold (1982), que foi a obra definitiva daquela fase mais progressiva e experimental do Dire Straits, e os shows da turnê refletiram isso.

O Dire Straits vinha improvisando e aumentando suas canções ao vivo desde as turnês do segundo e terceiro álbuns, porém foi em Alchemy Live que isto ficou registrado para a posteridade.

“Once Upon a Time in The West” abre o primeiro disco já mostrando tudo isso: longos solos improvisados, todos bem característicos de Mark Knopfler, com aquele seu estilo de soltar licks e solos ao fim de cada frase cantada, e aquela pegada de tocar sem palheta é algo que dá a ele um som único. O ápice da canção é por volta de seus 9 minutos quando uma acalmada em seu andamento é marcada  pela base dos teclados e Knopfler retorna com mais um solo heróico.

“Expresso Love” vem em seguida para agitar um pouco, já que é um rock ‘n’ roll básico com um riff simples e eficiente. A super-balada “Romeo and Juliet” abre espaço com o guitarrista tocando a sua clássica National Style O (aquela que está na capa do Brothers in Arms, de 1985) em uma interpretação emocionante, bem como a faixa seguinte, a obscura “Private Investigations”, em que Mark faz belas melodias com o violão.

Mark e sua National Style


O maior hit do Dire Straits fecha o disco 1: “Sultans of Swing”, talvez na sua gravação mais épica, tem quase 11 minutos de duração, uma versão um pouco mais acelerada que a original e muito mais improvisada. Knopfler toca pequenos solos de diversas outras canções (principalmente do álbum Communiqué, de 1979) que não faziam parte do set list, junto com improvisos sobre o próprio tema e acabou criando uma “Sultans of Swing” que foi tocada mais do que a versão original, pois apenas há alguns anos atrás, já na sua carreira solo, Mark voltou a tocá-la no formato que é mais parecido com sua versão inicial apresentada no álbum de estréia, em 1978. 

Outro destaque absoluto é o baterista Terry Williams, que imprimiu um ritmo forte, viradas incríveis e um potente som de bumbo.
Terry entrou na banda substituindo o jazzista Pick Withers, e imprimiu aos Straits uma batida mais forte e rock, acabou formando uma cozinha potente com o grandão John Illsley.

No disco 2, a banda começa com o rock de “Two Young Lovers” (que faz parte do EP Twisting by the Pool, de 1983), com participação marcante do sax de Mel Collins, que dita o ritmo da canção.



E a partir daqui começa o encerramento fantástico do disco: “Tunnel of Love”, uma das canções mais perfeitas da banda, conta com uma longa e linda introdução com o sax e os teclados de Alan Clark sendo os destaques principais, quando lá pelos 4 minutos a guitarra estridente de Mark e a bateria monstruosa de Terry começam a destruição, que pelos próximos 10 minutos demonstram o feeling absoluto que existia naquela formação, com direito aquela parada sensacional que a canção tem ali por volta 7 minutos, para uma volta triunfal com o baterista surrando seu instrumento.

Um detalhe importante é que nessa turnê foi uma das últimas vezes que Mark tocou “Tunnel of Love”. Ela foi executada também na turnê seguinte, de 1985 a 1987, e poucas vezes na turnê de 1991 e 1992; segundo alguns relatos, Mark não a toca mais ao vivo porque traz muitas memórias de seus familiares e de sua infância. Mas não há nenhuma declaração oficial sobre isso.

“Telegraph Road” é a próxima, é outra, assim como a anterior, que beira os 15 minutos de duração. É progressiva, melódica, envolvente... possui uma letra emocionante que Mark começou a compor quando dirigia o ônibus de turnê da banda pela própria Telegraph Road (uma estrada americana que liga Minturn, no Colorado, a Clarkston, Michigan), e na mesma época estava lendo o livro Growth of the Soil, de Knut Hamsun, e decidiu juntar as duas coisas: compôs uma letra que versa sobre o crescimento e surgimento das coisas ao redor da Telegraph Road. Sem dúvidas uma obra de arte fantástica, liricalmente e musicalmente. 

Quando se trata desta parte musical, aliás, é difícil fazer este tipo de afirmação, ainda mais quando tem “Sultans of Swing” em uma versão esplêndida no mesmo álbum, mas “Telegraph Road” possivelmente é o solo mais bonito de toda a carreira de Mark Knopfler. Costumo brincar que é a sua “Comfortably Numb”, tamanha a “conversa” que rola entre o solo de guitarra e seu ouvinte.

“Solid Rock” é a faixa seguinte e como o próprio nome já diz, é um rock bastante sólido e direto ao ponto, chega para mostrar que o fim está chegando e é hora da banda tocar um rock para se despedir.


 Mas a despedida mesmo fica com “Going Home”, tema composto por Mark para o filme Local Hero, uma bela música instrumental e bastante emotiva, que começa lenta e termina como uma grande festa, e na versão vídeo do show fica ainda mais evidente isso quando do meio para o fim, quando a banda começa a engrenar junto com Mark, os roadies começam a aparecer no palco e desmontar os intrumentos.

A capa inteira da versão em VHS

Um final sensacional.

Merece destaque ainda a bela arte da capa, que foi adaptada de uma seção de pintura do artista Brett Whiteley, nomeada Alchemy 1974.

A versão em cd conta com a inclusão da faixa “Love Over Gold”, no disco 1. "Industrial Disease", "Twisting By The Pool" e "Portobello Belle", também foram gravadas no show, mas apenas a última viu a luz do dia em discos: apareceu na coletânea Money For Nothing - The Best of, em 1987.

A banda na época: Alan Clark, Terry Williams, John Illsley, Hal Lindes e Mark Knopfler


Alchemy Live registra magistralmente o fim primeira fase do Dire Straits. A partir dali, principalmente com a inclusão do tecladista Guy Fletcher, a banda partiu para o estrelato com o lançamento de Brothers in Arms (1985) e lançou mais um disco em 1991, On Every Street, que resultou no segundo ao vivo, On the Night (1993). Mas isto é conversa para outro episódio...

Veja abaixo as performances incríveis de Mark, Terry e companhia em "Sultans of Swing", na versão Alchemy Live:

Comentários

  1. Para mim, o melhor de sempre. Telegraph road é divinal. Ouvi centenas, talvez milhares de vezes. Cerqueira-paulo.blogs.sapo.pt

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