A evolução do Heavy Metal - Episódio 1: Pré-Metal


Sam Dunn, antropólogo canadense e acima de tudo um headbanger,  já havia entrado no ramo dos documentários em 2005, quando produziu Metal: A Headbanger’s Journey e 3 anos mais tarde o Global Metal. Já trabalhou também com bandas como Iron Maiden e Rush, dirgindo documentários e shows.

Sam tem 39 anos e entre 2011 e 2012, pela VH1 Classics, deu vida a um ambicioso projeto: apresentar  e dirigir uma série onde contaria a história do Heavy Metal. Foram  11 episódios baseados na famosa árvore genealógica do heavy metal, que ele mesmo montou em A Headbanger’s Journey. Essa árvore deu fruto a 27 diferentes subgêneros. Foram escolhidos 11 (o 12° seria o Death Metal, mas a VH1 não bancou por questões de audiência) para os episódios da série.

O primeiro deles, que é o tema do nosso post de hoje, é o Pré-Metal. E por que Pré-Metal? O que é Pré-Metal? É exatamente o que você pode ler a partir de agora aqui no TRMB.

---à Por que os fãs de heavy metal são fiéis?

O episódio tem como intenção primária mostrar ao telespectador (aqui neste caso, leitor) quais foram as bases que sustentaram a criação do heavy metal. De onde ele surgiu, quais foram os principais nomes que ajudaram a 4 cabeludos de Birmingham a lançarem o primeiro disco de heavy metal da história, em 1970.

Antes mesmo de entrar no tema, Sam faz uma pergunta: por que as pessoas simplesmente mergulham no Heavy Metal? O que Sam quer dizer com mergulhar? A explicação é que o fã de Heavy Metal é fiel. Ele gosta mesmo daquilo. Ele ouve e ouvirá Heavy Metal até o fim de sua vida. Mesmo que com o passar do tempo outros estilos musicais entrem no seu gosto, o heavy metal sempre estará presente.

Kirk Hammet (Metallica) responde: “quando eu era adolescente, o metal me libertava. Se eu estava frustrado, me trancava e colocava um disco de heavy metal. Aquilo era libertador”. Sebastian Bach (ex-Skid Row) afirma: “heavy metal é levar você até o limite” e Rob Halford (Judas Priest) completa: “é sobre excitação, poder, raiva. É isso que é o heavy metal”.

Parece senso comum o espírito de liberdade e agressão que o heavy metal provoca. “Agressividade, intensidade, atitude”, diz Scott Ian, do Anthrax, e Slash vai mais longe: “é um libertador de energias. Sem o heavy metal teríamos muito mais violência com pessoas entre 16 e 25 anos”.

Outro tema comum foi a sensação de pertencer a um grupo, de fazer parte de algo junto de outras pessoas. “É tribal, as pessoas passam pelas coisas juntas. Como em um show por exemplo”, diz Alice Cooper, e Bruce Dickinson vai na mesma linha: “é um rito de passagem, heavy metal é uma celebração de amizade e comunidade”.

Sam chegou então à conclusão de que o heavy metal envolve principalmente poder, agressão e comunidade.


A primeira atitude do cineasta com isso, foi procurar Laurel Treinor, da McMaster University, que cuida de um programa onde vê como o nosso cérebro reage a algumas situações, e especificamente com música.
Laurel afirma que o heavy metal desperta no nosso cérebro algo que é agressivo, mas não violento.

Tom Morello, do Rage Against the Machine, diz: “há alguma coisa no heavy metal que fala diretamente ao cérebro reptiliano (que controla o lado mais animal e instintivo do ser humano), algo muito visceral”.

Sam conclui: “para quem é de fora, o heavy metal pode parecer violento, mas o que eu aprendi é que a agressão providencia um alívio emocional para os fãs e músicos e agora tenho uma noção melhor do porquê os fãs são tão engajados nesta música”.

-à Pré-Metal

O canadense viajou por mais de 40 cidades em 12 países e por 3 continentes, falou com mais de 3000 pessoas entre músicos, fãs e jornalistas.
É de senso comum também que o primeiro grupo de Heavy Metal foi o Black Sabbath. Antes do Black Sabbath ninguém tinha juntado todos os elementos do heavy metal em um único disco e criado uma sonoridade com aquilo. Isto é fato. Havia distorção por ali, bateria forte acolá, letras macabras em outro canto, mas nunca havia existido heavy metal, ou seja, a combinação de tudo isso com tudo o que veremos daqui em diante neste post. Por isso é incontestável a posição do Black Sabbath como criador de um gênero novo de música. Porque o que mais aprendemos neste episódio não é somente sobre de onde o heavy metal veio e sim que ele é um gênero por si só, e não apenas um subgênero do rock.

Mas como o Black Sabbath chegou até isso? Como criaram a emblemática canção “Black Sabbath”?


Geezer Butler, o baixista, responde: “eu estava tocando os acordes ‘Mars from the Planets Suite’, de Holst, e Tony ouviu e se inspirou para criar o riff da ‘Black Sabbath’”.


O baterista Bill Ward confirma: “Geezer tocava aquelas notas... aquilo me arrepiava a espinha. Tony se inspirou e criou o riff”.
Daí podemos partir para a primeira das bases sobre qual o heavy metal foi criado:

-à A Música Clássica

Tendo descoberto que a inspiração para o Black Sabbath criar o riff de guitarra mais assustador da história veio da música clássica, Sam ficou curioso para saber se outros músicos também tiveram essa influência.

Uli John Roth, ex-Scorpions, afirma: “olhamos para aqueles compositores e vemos que podemos fazer igual com nossos intrumentos. Quando você é jovem quer que seja excitante, rápido, fluente. E a música clássica te ensina isso”.

Tom Morello: “como um pequeno headbanger, eu odiava música clássica. Quando me tornei um guitarrista eu vi que a excelência de um Eddie Van Halen e de um Yngwie Malmsteen tinham em comum com a excelência de um Niccolo Paganini”.

Se Paganini fosse vivo, tocasse uma Fender com amplificadores Marshall, ele seria Yngwie Malmsteen.

Em Miami com o guitarrista sueco, Sam o questiona sobre ser o precursor desta junção mais direta do heavy metal com a música clássica, Yngwie afirma: “eu havia visto alguém tocando Paganini na TV e no final disseram que era a 24th Caprice e eu pensei que se pudesse fazer qualquer coisa perto daquilo com a guitarra, seria ótimo. Tecnicamente é extraordinário o que ele fez, e eu sempre quis desafiar a mim mesmo. Para mim ser o melhor, significa tocar as coisas mais difíceis da música clássica”


Outro fator da música clássica que claramente inspirou o heavy metal foi a força dramática das óperas.

“Antes de me tornar um cantor eu trabalhava no teatro e via as óperas. Via os artistas e via a reação do público. O alcance vocal é impressionante. Pavarotti é um Deus para mim. Era intrigante. Minha veia dramática como cantor vem daí”, diz Rob Halford.

Geoff Tate (Queensrÿche) também opina: “ópera é muito desafiante para um cantor e muito mais difícil do que o rock convencional. Uma das coisas que tem no Rob, no Bruce e em mim é esta veia teatral que veio da música clássica, da ópera”.

O próprio Bruce completa: “quando eu canto tento trazer o drama da letra para o show, para o público, mexer com a imaginação das pessoas”.

Nada mais ópera do que isto, certo?


O produtor Bob Ezrin lembra de outro fator que põe o heavy metal e a música clássica em conexão: “a música Heavy Metal, no seu íntimo, é militar, assustadora, grandiosa. A sonoridade heavy metal veio depois, mas este conceito já vem da música clássica. Wagner era grandioso e assustador. A idéia era chocar o mundo com o poder da música.”


Vimos, então, como a grandiosidade da assustadora música clássica, bem como sua performance teatral, seu longo alcance vocal nas óperas e a qualidade técnica dos compositores clássicos influenciaram na criação e concepção do heavy metal, agora é a hora de partir para outra base de onde nasceu o estilo.

-à O Blues

Reza a lenda que Robert Johnson, lenda do Blues, quando criança tinha o desejo de se tornar exatamente o que ele é: uma lenda do blues. E para isso ele foi induzido a levar sua guitarra para uma encruzilhada à meia-noite, onde fez um pacto com o demônio que lhe deu a habilidade de tocar e inventar o blues pelo qual ficou famoso em troca de sua alma.


Quer algo mais heavy metal do que isso?

Sam pergunta a Nelson George, autor americano, “o blues influenciou o rock e o heavy metal?”, a resposta: “basta olhar para bandas como os Stones, os Yardbirds ou o próprio Motörhead. Nenhum deles existiria não fosse o blues”.

Glenn Hughes: “todo riff de hard rock ou de heavy metal começou de algo que veio do blues”.

Sam questiona a Kirk Hammet qual a relação do blues com o heavy metal de hoje em dia, o guitarrista afirma que “é o riff. O blues parte de um riff e vai com ele até o final, o heavy metal é a mesma coisa. É à base de riffs”. Rob Bowman, professor da York University, completa: “ouça Hit the Lights do Metallica. Tem três tempos diferentes, mas vai do começo ao fim em cima do riff”.

Bowman também chama a atenção para outra característica: “a voz de caras como Howlin Wolf... parece que vinha do inferno. Dá para fazer uma conexão direta com caras como Lemmy Kilmister”. Hubert Slim, único membro vivo da banda de Wolf, diz que “ele tinha uma voz assustadora, assustava até ao demônio”.


E o fator final da ligação entre o blues e o heavy metal são as letras profundas.

Kirk Hammet diz: “Robert Johnson e Howlin Wolf cantavam sobre temas pesados, de natureza escura”, Rob Halford ajuda: “o Blues vem da alma, assim como o heavy metal”.

Certamente encontramos fortes ligações do Blues com o heavy metal, ligações suficientes para ouvirmos o primeiro álbum do Black Sabbath e encontrarmos tudo que foi descrito acima, tanto sobre o Blues quanto sobre a música clássica.

Agora é hora de ir para a terceira base do heavy metal:

-à O Jazz

O apresentador começa dizendo que antes não conseguia ver nenhuma forte conexão entre o jazz o heavy metal e questiona como o jazz pode ser uma grande influência para o metal?

Iggy Pop é o primeiro a se manifestar: “tínhamos muito preconceito com o jazz porque a maioria soava como masturbação musical. Mas tinham muitos caras bons lá...”.

O baterista Carmine Appice responde a Sam: “simplesmente porque os músicos de jazz eram os melhores em seus instrumentos. Muitos falam que a bateria do heavy metal é difícil, com tempos difíceis. Isso veio do jazz”


“Eu vi Buddy na tv e fiquei impressionado com sua energia e velocidade”, afirma Dave Lombardo, ex-Slayer. Outro ex-baterista do Slayer, Paul Bostaph, também fala sobre Buddy: “ele era thrash antes mesmo do thrash existir. Se você olhar o que ele fazia, sua velocidade e agressividade, provavelmente foi o melhor baterista que já sentou em uma bateria”.

Sam Dunn questiona Bill Ward se o Black Sabbath sofreu alguma influência do Jazz, Bill responde: “eu escutava jazz todo sábado à noite com meus pais. Havia uma canção da Glenn Miller Orchestra, ‘In The Mood’, eu amava... e o Jazz está no Sabbath. Ouça as viradas de ‘Fairies Wear Boots’. Há swing jazzístico por todos aqueles primeiros álbuns do Sabbath”.


Bruce Dickinson confirma: “Bill Ward é um  baterista de jazz! Iommi também é um pouco jazz, bem como Geezer. Então, aquela banda super pesada que tem um pouco de jazz na sua sonoridade apenas inventou o heavy metal”.

Depois desta declaração, tem como negar o jazz como uma das bases de sustentação do heavy metal? Não.

Tendo visto que a música clássica, o blues e o jazz juntos foram influência máxima para a invenção do heavy metal, ainda falta uma coisa. Uma coisa que é e sempre será essencial para o metal: a distorção da guitarra.

-à A distorção e o Rock ‘n’ Roll

Sam vai até o Sun Studio no Memphis, Tenessee. Por quê? Porque lá foi registrada a primeira gravação de Rock ‘n’ Roll com distorção na música. A canção era Rocket 88 de Jackie Brenston e Os Delta Cats, lançada pela Sun Records de Sam Phillips


Rob Bowman: “Sam queria que a música soasse diferente”.



John Schorr, do Sun Studios, conta como surgiu a distorção na gravação: “o amplificador de Willie Kitzart, guitarrista da banda, quebrou na Highway 61 quando a banda estava dirigindo do Mississipi a Memphis e abriu um buraco no alto-falante. Então eles encheram o buraco com jornais e aquilo criou um som distorcido que eles amaram”.

Outros ícones do rock ‘n’ roll dos anos 50 foram determinantes para a juventude de muitos daqueles que viriam a ser grandes músicos de heavy metal:



“Little Richard era a coisa mais ‘heavy’ que existia na minha época. Ele não tentava fazer voz suave, ele apenas cantava, é o que eu faço”, diz Lemmy. Jon Lord, já falecido, diz que quando viu Jerry Lee Lewis tocando Whole Lotta Shakin’ Going On, “apenas queria soar como aquilo, era animal. Representava liberdade”


Claro que em se tratando de rock ‘n’ roll não podemos esquecer daquele que é chamado de Rei, Elvis Presley.

Deena Westein, professora da Paul University, afirma: “Elvis vendeu o rock ‘n’ Roll, não sei o que seria do rock ‘n’ roll sem ele”.

Bruce Dickinson faz uma conexão entre o que Elvis significou para o hard rock dos anos 70:

“Ouça ‘the warden threw a party in the country jal, the prison band was there and they began to wail’ (Jailhouse Rock, de Elvis) e ouça ‘Saturday night and I just got paid, gonna fool about ain’t gonna save’ (Speed King, Deep Purple), você entende a conexão?”



Porém, antes de bandas como Deep Purple estourarem, o rock ‘n’ roll passou por uma fase crítica e que nada tinha a ver com metal: Elvis no exército, Little Richard virou religioso, Buddy Holly morreu.

Kim Fowley, produtor musical, diz: “o assustador Elvis estava no exército e de repente aparece um Frankie Avalon cantando ‘Venus, por favor me envie uma garota para me emocionar’... que grande porcaria havia se tornado”.

Então a música na América havia se tornado ‘segura’?

Don Branker, produtor: “sim, viraram simples canções de amor”. Nelson George completa: “havia muito falso rock ‘n’ roll”.

Pelo visto as acusações de “falso rock” já rolavam na época, não é mesmo?

Partindo dos Estados Unidos para a Inglaterra, o clima era outro.

Glenn Hughes: “a primeira guitarra suja que ouvi na vida foi ‘You Really Got Me’... era demoníaca! O tipo de música que os pais mandavam os filhos desligar”.


Dave Davies, guitarrista do The Kinks, explica sobre o riff: “na época não havia muita tecnologia na guitarra. Eu apenas coloquei todos os poucos botões disponíveis no nível máximo e saiu aquele som”.

Era uma época em que as bandas estavam querendo soar grandiosas. As bandas dos anos 60 estavam famosas, tocavam para cada vez mais público e precisavam de algo que fosse mais alto.

Billy Gibbons, do ZZ Top: “tudo estava maior, o público, as casas de shows. As bandas queriam ser ouvidas. Então era uma coisa meio ‘me dê algo em que eu posso manter esse som, só que mais alto’“

É aí que vem a figura de Jim Marshall.

Deena Weinsten diz: “para mim o precursor do metal foi Jim Marshall, que desenvolveu os amplificadores Marshall”.

“Jim basicamente pegou os amplificadores Fender com os Vox AC30 e criou uma nova Besta”, afirmou Uli John Roth.

Enquanto na Inglaterra todos queriam ser os mais altos, nos Estados Unidos havia um cara juntando o volume com a distorção: Jimi Hendrix.

Sam pergunta: o que é que Jimi fez ao colocar peso na música?

O produtor Eddie Kramer arrisca: “o que ele fez foi expandir os horizontes. As pessoas quando o viam, diziam que nunca haviam visto nada como aquilo. Ele colocou a coisa em um outro nível”.


“Quando Hendrix chegou, esquece. Não havia nada igual”, diz Neal Smith, baterista do Alice Cooper.

Tom Morello sobre a distorção: “é interessante essa coisa da importância da distorção. Antes eu tocava sem distorção aquelas notas e tudo mais... e, enfim, assim que eu pisava na distorção aquilo se transformava em rock ‘n’ roll”.

“Bem, aumente o volume, coloque distorção... bumbos poderosos, um som grandioso de baixo e um vocal com longo alcance, para mim soa como uma banda de heavy metal começando”, crava Rob Halford.

Sam Dunn, com missão cumprida, finaliza o episódio número 1:

“bem, o que aprendi é que as origens do metal são mais complexas do que eu imaginava. Pessoas criaram sons bombásticos que reveleram sentimentos de liberdade e agressão, então em um sentido de concepção do termo, o heavy metal não é novo. Mas o que mais me surpreende é o sentido de comunidade que vejo em lugares como o Wacken (festival anual de heavy metal na Alemanha), o que sinto é que nós, headbangers, fazemos parte de algo muito maior do que imaginamos”.


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